28/05/2025

Governo do Rio deve reduzir passagens de metrô e trens para R$ 4,70, mesmo com as contas no vermelho

Por: Selma Schmidt e Thayná Rodrigues
Fonte: O Globo
No muro que cerca a sede do MetrôRio, na Avenida Presidente Vargas, no
Centro, uma pichação chama a atenção: “R$ 7,90. Tá caro”. Os valores das
tarifas de trem e metrô causam insatisfação de usuários, que também enfrentam
superlotação e sofrem com a queda na qualidade dos serviços. Diante desse
cenário, mesmo com orçamento no vermelho em R$ 14,6 bilhões este ano, o
estado acena com a possibilidade de reduzir para R$ 4,70 as passagens de trem
e metrô, assim como foi feito nas barcas, em março. A expectativa do secretário
estadual de Transportes, Washington Reis, é de que a diminuição das tarifas
acarretaria num aumento de 500 mil passageiros por dia nos transportes sobre
trilhos: o número de usuários do metrô passaria de 650 mil para 900 mil, e de
trens, de 358 mil para 600 mil.
Segundo Reis, a medida custaria aos cofres públicos R$ 300 milhões este ano e
R$ 500 milhões em 2026, e os recursos viriam do Fundo de Combate e
Erradicação da Pobreza (FECP). A implementação do projeto depende da
assinatura de decreto pelo governador Cláudio Castro (PL). O estado, no
entanto, ainda não bateu o martelo sobre a data em que a medida será
implantada.
— É pouco dinheiro diante do benefício. Mais pessoas serão atraídas para o
sistema de alta capacidade, e se consegue tirar carros das ruas — argumenta o
secretário.
Em 2023, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou a reestruturação do
FECP e tornou mais abrangente suas aplicações. Ele já é usado, por exemplo,
para custear o Bilhete Único Intermunicipal. E, no fundo, há cerca de R$ 5
bilhões, de acordo com Reis.
Especialistas citam desafios e fazem sugestões para a aplicação da chamada
Tarifa RJ em metrô e trem. Vice-presidente da Comissão de Tributação,
Controle de Arrecadação Estadual e de Fiscalização dos Tributos Estaduais, o
deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSD) pondera que o déficit
orçamentário do estado projetado para este ano, de R$ 14,6 bilhões, é um
complicador:
— Pode ser que diminua o rombo. Mas, de qualquer jeito, o estado vai fechar
com mais de R$ 5 bilhões no vermelho.
Qualidade criticada
Luiz Paulo, que acompanha o trabalho do grupo que estuda a nova modelagem
do sistema de trens do Rio — por acordo judicial homologado, a SuperVia
devolve a concessão entre julho e setembro —, conta que o governo deverá
adotar o mesmo formato das barcas: licitará a operação, ficando com a
bilhetagem e arcando com os investimentos.
— O assunto ainda está em discussão, mas em tese diria que o operador dos
trens deve receber por quilômetro transportado de passageiro. Se o estado for
dono da bilheteria, pode botar a tarifa que quiser. Isso facilita reduzir o preço
do trem (hoje, custa R$ 7,60) — explica o deputado.
O parlamentar pondera que, no caso do metrô, como se trata de uma concessão,
teria de haver subsídio, o que torna a diminuição do preço mais complexa. Ele
sugere uma alternativa ao FECP: o uso de recursos do fundo de transportes
(dos R$ 301 milhões empenhados este ano, R$ 153 milhões foram pagos até
abril). Ele trata ainda do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados
(Propag) e do Regime de Recuperação Fiscal:
— Não acredito que, mesmo o Rio ainda não tendo aderido ao Propag e esteja
em Regime de Recuperação Fiscal, o Conselho de Supervisão do regime se
oponha ao subsídio.
Já o economista André Luiz Marques, do Insper, especialista em contas
públicas, pondera que “não existe almoço grátis”:
— Quando você reduz de um lado, aumenta a necessidade de subsídio do outro,
e eleva a pressão sobre o orçamento do estado. Você gera um fôlego a mais,
mas a conta vai chegar mais para frente. Você pode ter um alívio no curto prazo,
mas a longo prazo a conta vai ser cobrada.
Marcus Quintela, diretor da FGV Transportes, frisa que, no Rio de Janeiro, o
transporte sobre trilhos enfrenta uma defasagem em relação a outras cidades
brasileiras:
— O MetrôRio é a única concessão do país que ainda vive da tarifa (sem
subsídio do estado). Por isso, tem a tarifa mais cara do Brasil. Em outras
cidades, os metrôs recebem uma tarifa subsidiada.
Negociações à parte, o impacto na qualidade dos serviços é sentido pelos
passageiros diariamente. Uma pesquisa recente da FGV Transportes, que
compara de que maneira a mobilidade urbana é percebida pelos usuários de três
capitais brasileiras — Rio, São Paulo e Belo Horizonte —, indica que, para
quem usa transporte público no Rio, a integração dos transportes, a qualidade
do serviço prestado e o valor das passagens estão entre as principais
reclamações.
‘Ando esmagada’
Ainda segundo o levantamento da FGV, 40% dos usuários do Rio consideram
a mobilidade urbana ruim ou péssima. A nota média dada à cidade na última
pesquisa foi de apenas 4,6 (numa escala entre 0 e 10) — a pior entre as três
capitais analisadas.
— Pagar R$ 7,60 para andar esmagada no ramal Japeri caindo aos pedaços é
um absurdo — queixa-se Marina Alves, moradora da Baixada Fluminense.
Quintela lembra ainda que paralelamente à questão tarifária, é preciso cuidar da
operação, para que a diminuição das tarifas não gere superlotação:
— A partir do momento em que se reduz a tarifa, a demanda pode aumentar.
Então, é preciso ofertar transporte. Nesse caso, seria importante diminuir o
tempo de circulação de trens, dar conforto aos usuários. Senão, pode-se criar
um caos no sistema.
Como solução para a sobrecarga, o secretário de Transportes afirma que novas
composições para o sistema sobre trilhos estão sendo compradas pelo estado:
40 de trens e dez para metrô.
Baseado no argumento de que é necessário o desenvolvimento de políticas
públicas que permitam a redução do valor da passagem “para aumento da
acessibilidade ao sistema”, o MetrôRio ressalta que diferentemente do que
acontece nos sistemas metroviários de outros estados e países, no Rio de
Janeiro, “o cidadão paga a tarifa técnica integral (custo total da operação), pois
ainda não há subsídio para os transportes sobre trilhos”. E lembra que
“atualmente, apenas a população com renda mensal inferior a R$ 3,2 mil tem
acesso à tarifa social, ao valor de R$ 5”.
Em Niterói, cuja prefeitura em convênio com a Barcas Rio subsidia a tarifa
desde março, o aumento do número de passageiros no transporte aquaviário
impactou o trânsito. Conforme dados de monitoramento do Centro de
Controle de Operações, num comparativo entre a primeira semana de março e
a de abril, houve uma diminuição de cerca de seis mil veículos nas ruas,
considerando a contagem no trecho da Avenida Quintino Bocaiúva, umas das
principais vias que liga São Francisco à Icaraí. A projeção mensal indica redução
de cerca de 24 mil carros nas ruas.
A diminuição da tarifa da linha de Charitas foi de R$ 21 para R$ 7,70. Para os
passageiros das barcas das linhas Arariboia, Cocotá e Paquetá, o preço foi de
R$ 7,70 para R$ 4,70. Segundo a Secretaria de Transportes, em 30 de abril,
véspera de feriado, “o sistema aquaviário registrou recorde de passageiros
transportados em um único dia, representando um aumento de 18% na
demanda no período pós-pandemia”. A linha Charitas também registrou o seu
maior fluxo/dia, de 7.445 pessoas. Um aumento de 112% em relação a 2024
(3.500 pessoas).